Uma pesquisa memorável realizada pelo Ibope, em 2011, por encomenda da Confederação Nacional de Seguros (CNSeg), chegou a algumas conclusões relevantes sobre o mercado segurador. Dentre elas, a de que quatro em cada dez segurados brasileiros isso mesmo, quase a metade - estariam dispostos a cometer fraudes para se beneficiar indevidamente de suas apólices, tendo como motivação para isso a mais pura sensação de impunidade.
Não por coincidência, são visíveis as barreiras impostas às seguradoras para a comprovação de fraudes por parte de seus clientes. Muitas vezes, apesar de vários indícios dessas irregularidades, os juízes mostram-se inclinados a reconhecer a pseudo-hipossuficiência do segurado frente ao segurador, ao invés de seu provável dolo. Assim, condutas que indicam a ocorrência de, no mínimo, agravamento do risco são relevadas e permanecem impunes, chegando até a serem premiadas com a concessão judicial da indenização prevista em contrato.
O ônus decorrente dessa alarmante realidade recai, sem dúvida, sobre a seguradora, mas também prejudica a sociedade de uma forma geral, ao onerar todas as apólices. Também afeta, é claro, o próprio mercado segurador brasileiro, que ainda tem muito território a conquistar, mas acaba vendo sua expansão natural reprimida por um cenário de tal ordem preocupante.
Se compararmos o modelo norte-americano com o nosso veremos isto mais claramente ainda. Quando falamos em seguro de vida, por exemplo, salta aos olhos o fato de haver por lá sete vezes mais segurados, segundo números de 2010 obtidos pela maior resseguradora do mundo, a Swiss Re. Diferenças assim se devem não só a fatores culturais, econômicos e geográficos, mas também à segurança jurídica oferecida às empresas da área, que naquele país podem calcular com tranquilidade os riscos das apólices, certas de não serem compelidas a pagar indenizações fraudulentas.
Prova disso é o período inicial de dois anos (Contestability Period), durante o qual a seguradora tem todo o direito de investigar minuciosamente as informações prestadas pelo segurado, caso seja acionada neste intervalo. De conhecimento geral, a norma consta nas apólices e é honrada nas decisões judiciais.
Na maior parte dos estados norte-americanos, ainda que a informação omitida ou prestada parcialmente se desvincule à causa do sinistro, o pagamento é negado e com total respaldo dos tribunais.
Ou seja, naquele mercado todos sabem o que esperar ao contratar uma apólice e por isso o preço é justo para todos, pois as empresas têm segurança de que só pagarão aos segurados realmente merecedores.
Isso aumenta o número de apólices comercializadas e confere à sociedade a garantia de ter suas famílias protegidas, um considerável fator de desoneração para o próprio estado. Já no Brasil, além de não haver período contestatório determinado por lei, mesmo que comprovado que o segurado escondeu informações importantes, mentiu ou agravou de alguma forma o seu risco, o Judiciário compele as empresas ao pagamento incondicional da indenização.
Em caso de doença preexistente, o argumento recorrente do segurado para omiti-la é a falta de exames médicos prévios realizados pela seguradora, algo que, diga-se de passagem, elevaria ainda mais o custo de sua apólice. Imaginemos, então, algo aqui semelhante ao que ocorreu com o ator norte-americano Heath Ledge, vítima de overdose apenas sete meses após contratar um seguro de vida de US$ 10 milhões em benefício da filha, de dois anos. O fato de não ter informado previamente seu histórico de abuso de drogas levou a seguradora ReliaStar Life Insurance Co a negar o pagamento da indenização.
A família do segurado ajuizou uma ação, mas só conseguiu pequena parte da cobertura, mesmo assim porque a companhia propôs um acordo, nitidamente preocupada com a possíjvel repercussão negativa do caso na mídia. Se fosse aqui, a demanda levaria uma década para ter um final e, muito provavelmente, a seguradora seria obrigada a pagar o valor integral, sob a alegação de boa-fé do artista ao omitir parte do seu perfil. Aliás, todos nós pagaríamos por isso, pois o prejuízo da companhia seria repassado em algum grau aos proponentes de novas apólices.
É clara, portanto, a necessidade premente de uma atuação mais enérgica do Judiciário brasileiro no tratamento de questões assim, sejam elas em torno do segmento de seguros ou qualquer outro, onde a suspeita de protecionismo possa ser levantada. Ao deixar de lado seu histórico paternalismo, passando a punir todo e qualquer agente fraudulento com o rigor previsto nos termos da lei, certamente permitiria a evolução de vários setores, proporcionando com essa conduta motivos concretos para a nação inteira comemorar, e não apenas verdadeiras castas, hoje praticamente inocentadas de antemão.
Justiça de alto risco
Fonte: Jornal do Sincor-SP, março 2013, artigo de Gabrielle Rossa, advogada especialista em Processo Civil, integrante do escritório Rayes Advogados.